Entrevista: Daniel Agrela – viajante profissional e escritor

Daniel Agrela é viajante profissional. Formado em jornalismo, iniciou sua vida de mochileiro em 2002. Apaixonado por viajar e escrever usa o faro de repórter para descobrir novas culturas pelo mundo e as retrata em seus textos. De todos os destinos já explorados por ele, o mais marcante e revelador foi à rota de Compostela, motivo pelo qual O Guia do Viajante do Caminho de Santiago – uma vida em 30 dias é seu livro de estreia. Percorreu o Caminho de Santiago (Caminho Francês) duas vezes e é criador da maior comunidade sobre a rota no Facebook, com mais de 53 mil pessoas.

MV: Qual o principal motivo que o levou a fazer o Caminho de Santiago?

D: A ideia de fazer o Caminho de Santiago surgiu logo após o falecimento de minha mãe, em 2005, em um acidente. A perda repentina fez com que eu deixasse muitas coisas da minha vida. Não conseguia absorver a perda e entender tudo que havia passado. Vi que era hora de me afastar do problema. E percorrer o Caminho de Santiago me ajudou muito a compreender melhor toda a situação, já que passei cerca de 30 dias refletindo intensamente ao caminhar. Trata-se de uma reflexão pura, sem interferências das coisas do dia-dia, problemas do trabalho, etc.

MV: Como surgiu a ideia de escrever “O Guia do Viajante do Caminho de Santiago” e como foi essa preparação?

D: A ideia surgiu na primeira vez que fiz o Caminho. Fui com a cara e coragem. Sem qualquer informação adicional sobre o trajeto. E logo que cheguei lá vi que as dificuldades, pela falta de informação, seriam muitas.

O meu primeiro dia no Caminho de Santiago foi o mais difícil. A primeira etapa – que liga Saint Jean Pied Port a Roncesvalles – tem 27 quilômetros, sendo que 20 km é só de subida. O viajante sai de um altitude de 200 metros do nível do mar a 1400, no mesmo dia. Para complicar, era outono. Chovia muito, ventava bastante e não havia quase peregrinos caminhando. Como é um trecho de serra, Os Pireneus, a única saída era continuar sempre em frente, caminhando. Fiquei com medo, mas no fim deu certo. Levei 7 horas para chegar em Roncesvalles, completamente molhado. As dificuldades ficam por conta também da parte física. Por não caminhar adequadamente (sem o uso de um cajado nos primeiros dias) acabei tendo dores nos joelhos, o que me fez ficar um dia sem caminhar.

Já as recompensas são muitas. Conhecer pessoas de diferentes culturas, vislumbrar paisagens incríveis, conhecer-se melhor. O estímulo de se autoconhecer é uma das grandes recompensas de quem faz o Caminho de Santiago. Nesse momento percebi que um guia com orientações seria fundamental para quem quisesse fazer a viagem.

MV: Qual a melhor época para fazer a travessia e qual planejamento financeiro deve ser levado em questão?

D: Particularmente, gosto muito da Primavera e Outono Europeu. O clima nessas épocas é mais ameno, mais propício para longas caminhadas. Quanto a parte financeira, depende de cada viajante. Mas, normalmente, um viajante econômico gasta, em média, 1200 euros em 30 dias no Caminho de Santiago, sem contar o valor da passagem Brasil-Espanha.

MV: Durante o caminho, quais principais atrações turísticas chamaram mais sua atenção?

D: Fazer o Caminho de Santiago é revisitar a história. Há inúmeros pontos turísticos de grande representação histórica pela qual o peregrino passará. A serra dos Pireneus, que começa no sul da França, a bela cidade de Pamplona com suas muralhas – uma construção renascentista militar-, as obras de Gaudi em Astorga, isso sem contar nas igrejas datadas de mil anos atrás, que compõem toda uma paisagem singular. É um caminho multicultural e cheio de histórias.

MV: O que não pode faltar na mala de quem vai fazer o caminho?

D: Digo que quanto menos coisas na mala, melhor. Lembre-se que o peregrino terá de caminhar cerca de 800 quilômetros com a mochila nas costas. É uma viagem para levar o essencial. Camiseta leve, de tecido sintético com secagem rápida. Calça que vira bermuda. Enfim, é preciso facilitar a vida. Mas um item importante são os protetores auriculares. Quem tem sono leve, pode ter dificuldade para pegar no sono nos albergues devido aos roncos alheios (risos).

MV: A hospedagem durante a travessia pode ser um problema?

D: Não, a hospedagem não é um problema. Há inúmeras opções para o viajante. Albergues municipais, albergues privados, hotéis. Vai de acordo com o gosto e disposição do viajante.

MV: Uma dica ao leitor do Maior Viagem que pretende fazer o Caminho de Santiago

D: Não basta querer fazer o Caminho de Santiago. É preciso desejar. É preciso sonhar. Trata-se de uma viagem que muda vidas. Por isso, é necessário estar seguro e  preparado antes de se tornar um peregrino.