Entrevista: Gloria Arieira – mestra em Vedanta e Sânscrito

Gloria Arieira, 62 anos, é mestra em Vedanta e Sânscrito. Estudou na Índia nos anos 70 e ao voltar para o Brasil fundou o Vidya Mandir, em 1984, onde dá aulas de Filosofia dos Vedas e Sânscrito, na língua portuguesa. Vidya Mandir, que significa Templo de Conhecimento, é uma instituição sem fins lucrativos que visa preservar a cultura e o conhecimento dos antigos Vedas através de aulas e publicações.

MV: Qual a sua Maior Viagem? Por quê?

G: A maior viagem que já fiz foi para a Índia. Foi uma longa viagem, sem dúvida, até porque fui de navio cargueiro por 45 dias no mar, mas não foi por isso a maior viagem. Foi a maior, pois me levou a ver uma cultura completamente diferente da minha de origem e me levou a questionar muitas coisas, como, “o que é o mais importante na vida?”, “o que não podemos deixar de fazer?”, “como é possível ser feliz?”. Quando fui para a Índia, eu tinha 21 anos, quando voltei, já com 25, eu era outra pessoa.

MV: Qual local você ainda não conheceu, mas gostaria de conhecer?

G: Eu gostaria de conhecer alguns países africanos, como talvez a Nigéria, Angola ou Moçambique. Gosto de conhecer diferentes maneiras de viver e de resolver os problemas que nos aparecem diariamente. Penso que, ao nos distanciarmos de nossa cultura e nossa maneira de lidar com a vida, podemos entender que não existe uma maneira certa de viver, mas, desde que haja respeito ao outro, todas as maneiras são válidas.

MV: O que não pode faltar na mala?

G: O passaporte, dinheiro, um canivete e o telefone celular. O resto a gente resolve. O canivete suíço com muitas funções resolve qualquer problema que possa aparecer. O celular ajuda nos problemas de comunicação. O passaporte e dinheiro ajudam a relaxar e curtir a viagem.

MV: Por causa do seu trabalho, você já foi á Índia algumas vezes. Como você pode retratar a Índia dos anos 70 quando você morou lá para a Índia atual? Muitos contrastes?

G: A Índia em si apresenta muitos contrastes. Pessoas muito ricas e também muito pobres convivem no país. Mesmo pobres, as mulheres se vestem com charme e beleza, com seus saris coloridos e muitas joias, de ouro, com pedras e outras somente decorativas. Conheci algumas mulheres com mais de 365 saris! Podem usar um diferente a cada dia do ano! Mesmo as mulheres pobres usam saris bonitos e joias decorativas.

Nos anos 70 havia menor influência ocidental, a cultura seguida, mesmo nas cidades, era a local. Hoje a influência do ocidente, na forma de viver, nas construções nas cidades grandes, na alimentação e mesmo no vestiário, é grande. Nos anos 70, vi no sul da Índia reuniões do partido comunista indiano que começavam com cantos védicos religiosos! Isso é muita contradição que consegue conviver em harmonia no coração dos indianos.

MV: Qual(is) tradição(ões) indiana(s) você acredita ser mais difundida(s) pelo Ocidente?

G: A tradição indiana mais conhecida no ocidente é evidentemente a do Yoga, práticas de asanas, pranayamas e meditações são comuns em todo o mundo.

MV: O que são Vedas e por que você resolveu fundar a Vidya Mandir?

G: Os Vedas são um corpo de conhecimento com muitas áreas; o conhecimento principal e original é do sujeito, do Eu, como livre de limitação e imortal. Outras áreas de conhecimento estão ligadas a este conhecimento básico, constituindo mais um estilo de vida e uma cultura religiosa e social. Esta cultura e estilo de vida têm como objetivo oferecer meios para a aquisição de maturidade emocional para que a pessoa possa entender que o conhecimento do Eu completo é o maior objetivo da vida.

Porque este conhecimento e o estilo de vida ao seu redor fizeram sentido para mim, resolvi abrir uma instituição que oferecesse isso às pessoas no Brasil, em português. Esta instituição chama-se Vidya Mandir, Templo de Conhecimento.

MV: Em relação à culinária indiana, o que você já provou e recomenda para os leitores do Maior Viagem?

G: A culinária da India é vasta. É bem diferente no norte e no sul da Índia. No norte tem mais trigo, que aquece o corpo, e então temos chapati, parathas, nan (diferentes tipos de pão). Todos deliciosos. No sul, onde o clima é quente durante todo o ano, come-se mais arroz, como dosa, uthapam, idli, vadai (tipo bolinhos e panquecas de arroz) e muito coco.

Pimenta e gengibre estão sempre presentes, cominho e coentro também. O famoso pó de curry, chamado de masala, é uma especialidade com diferenças em cada região e às vezes em cada família. Os doces são deliciosos, geralmente feitos com leite ou seus derivados ou com farinha de grão de bico; porém muitas vezes é doce demais para o paladar ocidental. Adoro um doce chamado puram poli, que é como uma panqueca com recheio de um doce de farinha de grão de bico, com açúcar mascavo e especiarias.

MV: O que o leitor do Maior Viagem não pode deixar de conhecer quando for a Índia?

G: O Taj Mahal é a grande atração, é o túmulo de uma rainha muçulmana, mas na verdade uma declaração de amor por sua arquitetura tão bonita.
Rishikesh, perto de Delhi, é o lugar com maior número de monastérios, chamados de ashram, e pessoas do mundo inteiro em busca espiritual.
Eu gosto de Kochi, uma cidade pequena, no estado de Kerala, muito típica do sul da India. Teve influência portuguesa, judaica, cristã, entre outras. Tem Spas muito bons de Ayurveda, com massagens e alimentação incríveis. Ao redor tem canais e passeios de barco. Tem templos e construções muito antigas e ainda funcionando. Adoro a região toda!

MV: Existe algum lugar no mundo que você conheceu e não gostou? Por quê?

G: Ouvi falar demais sobre Dubai e, uma vez, no caminho para a Índia resolvi parar por lá uns dias. Sempre vale a pena ir para um lugar desconhecido, mas Dubai me pareceu um lugar muito artificial, moderno demais e sem história.

MV: Janela ou corredor?

G: Sempre corredor! Dá mais liberdade para ir e vir, andar para esticar as pernas, sem precisar pedir passagens para pessoas que estão dormindo.

MV: Uma dica de viagem para o leitor do Maior Viagem.

G: Quando se viaja em especial para o Oriente, é bom saber um pouco sobre a cultura e costumes do lugar, pois é sempre muito diferente do nosso. Muitas vezes não temos parâmetros para fazer um julgamento ou entender o que se passa em determinadas situações. O único jeito é estar atento e ter o coração aberto, não esperar encontrar as coisas às quais estamos acostumados em nosso país.